É muita lata o realizador John Erick Dowdle atribuir-se créditos de argumentista (e à sua mulher Drew) quando Quarentena segue, sem desvios, o original [Rec], de que é o remake directo. Ainda mais incompreensível é a sua existência, sendo [Rec] um filme espanhol do ano passado, com distribuição internacional, nomeadamente nos EUA (por muito que custe aos americanos ler legendas).
A premissa de [Rec] era simples. Uma jovem repórter de TV iria acompanhar dois bombeiros numa missão de rotina e dar por si fechada num prédio com uma população crescente de zombies. Tratava-se então de gerir o suspense durante sensivelmente uma hora, com a totalidade da filmagem a fazer-se pela objectiva do cameraman.
Quarentena decide fazer o mesmo, mas à americana. O que nunca é bom sinal. Em vez da querida e amorosa Manuela Velasco no papel da repórter, temos uma embirrante e histérica Jennifer Carpenter (Dexter e O Exorcismo de Emily Rose), que em vez de dizer «Hola, soy Angela Vidal» pronuncia o apelido como Vaidél. Os bombeiros, pelo aspecto dos seus bíceps, passam mais tempo no ginásio do que a apagarem fogos. Os moradores do prédio, em vez de serem pessoas anónimas, são quase todos actores reconhecíveis por um ou outro papel. Assim, perde-se de imediato a ideia de estarmos a assistir a algo real. Os bombeiros são Jay Hernandez (Hostel) e Jonhathon Schaech (Road House 2, 8MM 2, duas sequelas apenas no título), o cameraman é Steve Harris (The Practice e O Rochedo) e os moradores incluem Rade Serbedzija (O Santo e Missão Impossível 2), Greg Germann (Ally McBeal) e Marin Hinkle (Começar de novo). Em vez de concentrar a atenção na história, é um erro permitir que tantos rostos distraiam a atenção.
É impossível não tecer comparações face a um remake tão apressado. Sem a frescura snuff de [Rec] nem o companheirismo entre a repórter e o cameraman, o espectador sente-se menos inclinado a ter empatia por ela. Enquanto que no original os inquilinos se reúnem voluntariamente no átrio do prédio, aqui são obrigados a sair dos seus apartamentos sem justificação lógica. Em vez de tentaram organizar-se, os sobrevivente parecem baratas tontas. No final, o antigo gravador de bobinas que facilitava alguns esclarecimentos confusos, limita-se a dar estática.
Para quem viu [Rec], Quarentena é como assistir ao Psicho de Gus Van Sant. Uma repetição cena-a-cena, sem a menor centelha ou emoção. E havia lugar a melhoramentos, porque [Rec] não é uma obra-prima, mas um vulgar filme de zombies num cenário diferente. Por exemplo, não faz sentido reproduzir a cena imbecil em que, depois de uma menina se ter transformado e mordido a mãe, o polícia se aproxima dela cheio de paninhos quentes e tenta dar-lhe a mão para levá-la para junto dos outros. Que polícia se ofereceria ao contágio com tamanha ingenuidade?
É legítimo perguntar se a versão de Hollywood tem melhores efeitos visuais, mas infelizmente o orçamento deve ter sido esgotado nos cachets. A solução foi a de abanar violentamente a câmara, técnica ancestral de realizadores de série Z para evitar a identificação de efeitos especiais demasiado económicos, aqui levada ao extremo, e poupar na electricidade, optando por lanternas. [Rec] manteve as luzes do prédio acesas, permitindo assim ver melhor o que se passava. Isso em nada prejudicou o suspense e evitou que tivesse de franzir-se tanto a vista à procura de pormenores.
Em [Rec], a criatura do clímax, iluminada por uma distorcida nightvision verde, era desproporcional, contribuindo isso para uma dose de inquietação, mas em Quarentine é apenas uma pessoa magra em cuecas. Com tudo isto, quando a repórter, histérica, grita que vão morrer, porque «eles não se ralam connosco», só me apeteceu dizer, com sotaque brasileiro, No, Michael, they don’t care about us.
Quarantine 2008
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