A seguir as pisadas de A Semente do Diabo (1968) e O Exorcista (1973), As Duas Vidas de Audrey Rose (1977) balança entre o thriller e o melodrama, quando um desconhecido afirma a um casal que a filha deles é a reencarnação da dele e, rejeitada a sua pretensão de ter uma participação activa na vida da adolescente, recorre aos tribunais. Robert Wise, apesar da experiência em diversos géneros como realizador (do musical ao terror), não encontra o tom e Anthony Hopkins, actor de teatro e televisão a dar os primeiros passos em Hollywood, não acredita em nada que o seu personagem repete até à exaustão. Marsha Mason, como a mãe da adolescente em questão, encontra-se no meio das suas quatro nomeações a um Oscar, mas este filme não faz favores a ninguém e a própria queixou-se à imprensa de que tudo o que faz em cena é chorar como uma carpideira numa tragédia grega. John Beck, o pai, vem de um longo historial de westerns e Susan Swift, como o alvo de toda a polémica, estreia-se no primeiro de uma carreira de quatro filmes e alguma televisão.
Onde o filme mais se atola mais é num pequeno ponto que parece ignorado pela crítica em geral. A reincarnação, ou existência cíclica, representa um dos pilares filosóficos das diversas religiões indianas e define-se pela transferência da alma para um novo corpo quando o anterior fenece. Mas é algo que acontece a todas as pessoas e não a eleitas; apenas quem se melhorar exponencialmente através de constantes vidas de virtude, meditação e espiritismo ascenderá à libertação do da carne. Ora, no filme, o personagem que insiste no tema e diz ter estudado laboriosamente o tema durante anos (na Índia), aceita sem protestar que, depois do acidente rodoviário que vitimou a esposa e a filha, a primeira está em paz e a segunda reincarnou (disse-lhe um medium numa festa), como se a reincarnação fosse a excepção e não a regra.
Quanto a Ivy Templeton, supostamente a reincarnação de Audrey Rose, tem pesadelos todos os anos, por altura do aniversário, e chega a queimar as mãos no vidro de uma janela como se a memória do carro em chamas lhe trouxesse marcas físicas. Só pode concluir-se que se tratou de uma reincarnação com defeito, pois recordar um vida passada é um sinal claro de incompetência no transplante de alma. Contudo, para o personagem crente, foi uma sorte daquelas, porque seria difícil corroborar a sua fé com uma rapariga normal. Infelizmente, As Duas Vidas de Audrey Rose não é mais do que um filme populista a tentar capitalizar no tema da moda.
Audrey Rose 1977