Thursday, October 13, 2016

As Duas Vidas de Audrey Rose, de Robert Wise

   
A seguir as pisadas de A Semente do Diabo (1968) e O Exorcista (1973), As Duas Vidas de Audrey Rose (1977) balança entre o thriller e o melodrama, quando um desconhecido afirma a um casal que a filha deles é a reencarnação da dele e, rejeitada a sua pretensão de ter uma participação activa na vida da adolescente, recorre aos tribunais. Robert Wise, apesar da experiência em diversos géneros como realizador (do musical ao terror), não encontra o tom e Anthony Hopkins, actor de teatro e televisão a dar os primeiros passos em Hollywood, não acredita em nada que o seu personagem repete até à exaustão. Marsha Mason, como a mãe da adolescente em questão, encontra-se no meio das suas quatro nomeações a um Oscar, mas este filme não faz favores a ninguém e a própria queixou-se à imprensa de que tudo o que faz em cena é chorar como uma carpideira numa tragédia grega. John Beck, o pai, vem de um longo historial de westerns e Susan Swift, como o alvo de toda a polémica, estreia-se no primeiro de uma carreira de quatro filmes e alguma televisão.
Onde o filme mais se atola mais é num pequeno ponto que parece ignorado pela crítica em geral. A reincarnação, ou existência cíclica, representa um dos pilares filosóficos das diversas religiões indianas e define-se pela transferência da alma para um novo corpo quando o anterior fenece. Mas é algo que acontece a todas as pessoas e não a eleitas; apenas quem se melhorar exponencialmente através de constantes vidas de virtude, meditação e espiritismo ascenderá à libertação do da carne. Ora, no filme, o personagem que insiste no tema e diz ter estudado laboriosamente o tema durante anos (na Índia), aceita sem protestar que, depois do acidente rodoviário que vitimou a esposa e a filha, a primeira está em paz e a segunda reincarnou (disse-lhe um medium numa festa), como se a reincarnação fosse a excepção e não a regra.
Quanto a Ivy Templeton, supostamente a reincarnação de Audrey Rose, tem pesadelos todos os anos, por altura do aniversário, e chega a queimar as mãos no vidro de uma janela como se a memória do carro em chamas lhe trouxesse marcas físicas. Só pode concluir-se que se tratou de uma reincarnação com defeito, pois recordar um vida passada é um sinal claro de incompetência no transplante de alma. Contudo, para o personagem crente, foi uma sorte daquelas, porque seria difícil corroborar a sua fé com uma rapariga normal. Infelizmente, As Duas Vidas de Audrey Rose não é mais do que um filme populista a tentar capitalizar no tema da moda.
Audrey Rose 1977

Cannibal Ferox, de Umberto Lenzi

   
Diversos sub-enredos perdem-se na selva da Colômbia no que poderá ter sido desleixo do editor de montagem ou falta de material por parte de um realizador cujo guião foi sendo escrito em folhas de árvore que ficaram nos ramos. Um trio de nova-iorquinos parte para a Colômbia para confirmar que a prática de canibalismo é um mito e assim uma deles poder validar a sua tese de doutoramento, quando se cruzam com um duo que afirma fugir a pé de uma tribo com doutoramento precisamente nessa especialidade. Antes disto, já Nova Iorque tinha sido palco de um homicídio num apartamento, porque um agiota quer reaver dinheiro roubado por um indivíduo que vive com uma guia e esta pode, sem se aperceber, ter-lhe incutido a ideia de que era fácil recolher esmeraldas das margens doces da Amazónia. O ladrão foi para a Colômbia com o sócio e acaba de cruzar-se com três turistas da sua cidade natal, um polícia de Nova Iorque vai procurá-los à América do Sul e encontra a única sobrevivente do grupo, estava ali mesmo ao virar da esquina e a barreira linguística não é problema, toda a gente fala italiano neste filme. No final, e não se trata de spoiler por irrelevância, a arqueóloga apresenta a tese confirmando a inexistência de canibais, apesar a da sua experiência em contrário, porque o trabalho já estava escrito e dar os parceiros de excursão como comidos por crocodilos representa menos papelada.
Cannibal Ferox fecha a trilogia canibal de Umberto Lenzi, depois de O País do Sexo Selvagem (1972) e de Comidos Vivos (1980) e faz parte do boom do género que caracterizou a época e tem como maior nome Ruggero Deodato (Holocausto Canibal, 1980). Fita exploitation feita sem dinheiro nem talento, carrega na música disco sound tanto nas cenas norte como sul americanas e o facto de Lenzi ter 65 títulos no currículo mostra bem o nível de atenção dedicado a cada um. Realizador de western spagetti, macaroni war e giallo durante os anos '50 a '70, este entusiasta da sétima arte deixou o curso de Direito a meio para se dedicar ao cinema populista e fez carreira em lixo. Tirando a morte real de alguns animais sem o menor impacto, assiste-se a uma única cena de canibalismo, o amputamento de um braço (o de um pénis é feito off camera) e a suspensão de uma mulher através de ganchos nos seios, sendo que nenhum dos efeitos visuais é motivo de orgulho para Gianetto de Rossi.
Banido em trinta e um países à época da estreia, nenhum do hype acaba legitimado, tal o desolador amadorismo de ponta a ponta. Não há suspense, não há representações dignas nem cinematografia e a música é um reaproveitamento da banda sonora do filme anterior de Lenzi. Quanto aos índios, bem podiam estar a usar máscaras de William Shatner, tão pouco convincentes na sua inexpressividade, limitando-se a cumprir ordens de carácter motor: anda, pára, come. Mais despachado é o italiano Giovanni Radice (a assinar com o nome John Morghen para o filme parecer menos euro trash) que encontra forças para correr dos captores horas depois da amputação da genitália (a genica termina quando lhe abrem o crânio). 
Cannibal Ferox 1981