Depois de surpreender com a sua magnífica estreia, A L’Interieur(2007), e de ter desistido do reeboot de Hellraiser (Clive Barker, 1987) por divergências artísticas, a dupla Alexandre Bustillo e Julien Maury aventura-se no outro campo do espectro do campo horrífico: o horror fantasioso.
Antes de entrar no reino da estupidez, Livide parecia promissor. Uma jovem, em primeiro dia de estágio de cuidados paliativos a idosos, descobre que uma velha paciente em coma, que vive sozinha numa enorme propriedade, poderá ter escondido um tesouro no interior da mansão. Nessa noite, volta lá com o namorado e um amigo, para procurarem o dito. É Halloween.
Com apenas uma lanterna para três caçadores de tesouros, o filme esquece-se de que o sobrenatural precisa de alicerces lógicos e enterra-se em incongruências, das quais nem escapa a direcção de fotografia, a inventar claridade em quartos selados (por exemplo, a sala cuja janela é uma placa metálica com cadeados). Como bem conseguida, realça-se a presença da velha à mesa com os animais empalhados.
A assinarem também o argumento, Bustillo e Maury esqueceram-se de dar-lhe consistência, optando por uma total ausência de regras. Nada faz sentido. Primeiro, a ingenuidade dos três idiotas: nunca estiveram na mansão, mas acham que vão encontrar o tesouro esquecido numa gaveta. Se fossem crianças, ainda se aceitava, mas a maioridade deveria ser sinónimo de intelecto. Claro que não se pode pedir para os personagens o que não se obtém dos realizadores.
Depois, a velha em coma, antiga professora de ballet, cuja filha morreu nova. Qual delas é maligna ou são ambas? É tão aleatório como o entretém da responsável pelos cuidados paliativos, dada ao rapto e desmembramento de meninas que encontra na estrada. Mais uma ponta solta, só compreensível pela decisão, por parte de Bustillo e Maury, de que ainda havia espaço na panela para uma psicopata. E depois esqueceram-se do assunto.
Com uma misturadora a funcionar com a tampa aberta, Bustillo e Maury recolheram o que ficou espalhado pelas paredes e juntaram-lhe uma ficha técnica. Não há outra justificação para tanta parvoíce junta: flashbacks que não ajudam ao entendimento, cenas que acontecem do outro lado do espelho (a la Alice no País das Maravilhas), mas outras que não seguem esse padrão, figuras que surgem numa cena e não reaparecem (as três bailarinazinhas barbeiras), uma professora de ballet que também faz é relojoeira e cirurgiã legista (partiu as costas à filha, ao forçá-la a praticar a espargata, e coseu-a com rodas dentadas em vez de uma coluna vertebral), uma miúda que herdou os dentes do Jaws de Moonraker e flutua no ar, a mãe da protagonista aparece durante alguns segundos só para Beatrice Dalle ter o seu cameo (era uma das protagonistas deA L’Interieur).
Livide é absurdo e o seu terror aleatório, errático, ao sabor da maré. Consegue criar e desenvolver um ambiente de tensão crescente, mas desbarata-o. Quanto ao final, atinge cúmulos de ridículo, com uma troca de identidades por efeito de duas larvas depositadas no interior das suas vítimas, que saem dos casulos e voam como borboletas da boca de uma para a da outra. A cena no precipício é outra que tal ...
Livide 2011