Tão invulgar como um dia frio em Julho, Cold In July revela-se um extraordinário exercício de suspense, apanhando desprevenida a audiência e puxando-a, com inesperada brusquidão, para uma espiral de círculos infernais cada vez mais intensos, como se abocanhada por um tubarão que a submergisse e o sangue, na antecipação do pior, se lhe gelasse de terror.
Com nítidas influências de John Carpenter e de Sam Peckimpah, Jim Mickle transporta-nos pelo degradante, visceral e grotesco pesadelo suburbano, que desmonta a partir de um evento realista, acompanhando as consequências de uma anónima invasão domiciliária que termina no homicídio do assaltante e onde o lesado desconfia da identificação da vítima mortal pela polícia. Estremunhado mas cada vez mais apreensivo, reage contratando um detective mas, em vez de paz de espírito, a sua intervenção vai descobrir uma realidade paralela que exigirá de todos os envolvidos sangue frio e determinação numa solução que se pretende drástica e, acima de tudo, definitiva. Certa gente não merece viver.
Cold In July precede e bem pode ter inspirado a aclamada primeira temporada de True Detective, com o qual tem pontos tangenciais bastante concretos e facilmente identificáveis. Baseado num romance de Joe R. Lansdale, cujo talento se estende pelo conto, comics (Batman e Jona Hex), graphic novels e animação televisiva. Adaptados ao cinema, tem já Bubba-Ho Tep (2002) e Christmas With The Dead (2011), além de integrar antologias directas para vídeo. Transpôr as páginas do livro obrigou o realizador e o co-argumentista Nick Damici a sete anos de constante contorno de dificuldades narrativas e financeiras e mereceu mesmo o contributo de Sam Shepard, autor de Crónicas Americanas e actor no filme, que simplificou uma cena que esteve quase a ser eliminada pela sua complexidade técnica.
As filmagens tiveram início uma semana após desfecho da série Dexter e Michael C. Hall encabeça o elenco, de onde constam também Don Johnson e Vinessa Shaw. A banda sonora, a cargo de Jeff Grace (Meek’s Cutoff, The House of the Devil, The Innkeepers), recorda The Thing (1982) e Drive (2013), mas tem alma própria.
Tenso e violento, Cold In July revela-se uma surpresa constante, com o seu estilo retro, subversivo e, por todas as razões invocáveis, excepcional. Assim como Julho é, por natureza, um mês quente e a descida de temperatura, não só se estranha, como exige mais peças de roupa, este filme começa ameno, mas vai arrefecendo e enegrecendo a cada camada.
Cold In July 2014